domingo, 28 de fevereiro de 2010

Papinho com Lispector e.

Suplicava, inconscientemente, para que aquela noite tumultuada fosse embora. Queria que ela acabasse como uma peça de teatro. Seria tão mais fácil. As cortinas deslizariam e esconderiam todo aquele medo, toda aquela angústia pisoteada. Ela nunca fora boa com essas coisas que costumavam chamar de...amor? Seria essa a palavra? Não importava mais, de qualquer forma.
Seu coração quase saltou para fora quando percebeu que talvez tivesse se encontrado, como se entendesse tudo o que estava sentindo (ou achando que estava sentindo, era quase a mesma coisa). Ou como se entendesse essa sua confusão.

-Noite difícil?
-Talvez eu não queria falar sobre isso.
-É, eu sei que você não gosta de falar sobre isso. Conheço esse seu coração orgulhoso, olhos castanhos.
-Meu coração não é orgulhoso! Muito pelo contrário.
-Isso não vai funcionar comigo. Apenas admita que é diferente desta vez.
Entrelaçou os dedos e balançou a cabeça. Ninguém podia imaginar como cada fibra do seu ser dóia quando ela admitia o que procurava esconder todos os momentos da sua vida.
-Tudo bem, tudo bem! É diferente desta vez, mas isso não muda absolutamente nada.
-Mas é claro que muda. Nós temos uma coisa em comum: gostamos do diferente, do distante, do desafio. E ele é, para você, uma linda melodia desafinada! Você mal consegue dormir à noite porque, aonde quer que você vá, você escuta a música que vem dele. Estou errada?
-Não, não está errada.
-Então, faça alguma coisa.
Por Deus! Aquilo já era demais. Não era porque ela cutucava seu 'eu' que ela poderia falar e fazer o que bem entendesse. Não podia! Não podia! Doía demais imaginar como poderia ter sido. Passava noites em claro imaginando o que poderia ter falado (ou calado), o que poderia ter feito. Como as coisas seriam diferentes se ela não tivesse essa mania terrível de fugir do que lhe interessava, ou até mesmo fingir que não interessava.
-E você acha que eu não estou fazendo nada? Não seja patética!
-Ser patética faz parte, querida! Não tenha medo! Tanto medo assim só a levará para longe do que você realmente quer.
-Não me importa. Eu quero, mas não preciso. Essa é a diferença!
-É claro que você não precisa dele. Nós duas não precisamos de ninguém. Mas nós não podemos dizer não sempre. Alguma hora nós precisamos ceder.
-Ceder para quem?
-Ceder pra você mesma. Ceder para isso que você sente dentro do peito. Ceder para essa dor que está entalada na sua garganta, implorando para sair e respirar. Nós não temos todo o tempo do mundo, olhos castanhos. Não o desperdice.
-Não há mais nada que eu possa fazer. Certo, talvez eu possa fazer alguma coisa, mas ainda não sei o que é.
-Pense a respeito, olhos castanhos. Estarei por perto, se algo der errado novamente.
-Nunca duvidei disso.

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