sábado, 20 de março de 2010

Escuta

Encontrei, ao menos, um pouco de pó para o café. É que há um grito dentro de mim e eu tenho a necessidade doentia de começar dançando por outros assuntos, outros mares, numa tentativa frustrada de esquecer aquilo que eu iria dizer até antes mesmo de saber. Veja bem, preciso te confessar três coisas, e preciso do seu silêncio para ter coragem. Mas não aquele seu silêncio de anos, aquele silêncio que doía em mim, aquele seu silêncio-navalha, que dizia tudo por não dizer absolutamente nada. Eu quero aquele seu silêncio que deslizava em seus lábios e formava um sorriso enquanto eu falava, falava sem parar. Aquele seu silêncio de quem compreendia tudo que havia dentro de mim, mesmo que isso parecesse muito pouco, muito sem, e não zen. Veja bem, coração, você acha que consegue me dar aquele silêncio gostoso? Mesmo que por alguns minutos?
A primeira coisa que eu preciso confessar: eu sorria do outro lado do telefone. Um sorriso ridículo, um sorriso que vazava tantos outros dramas e tantas outras paixões, mas eu não sabia que a única paixão era você, veja bem, quando eu fingia não querer que você me ligasse para dizer que o pão da padaria havia acabado de sair, que estava ventando lá fora e que seu quarto estava escuro e acolhedor, do outro lado, aqui no meu quarto, eu torcia para você continuar falando, falando e falando por, não sei, seis, sete minutos a mais. É que eu tive medo, entende, medo porque um dia as palavras poderiam faltar, então eu as guardava para determinados momentos, sempre adiando o nosso encontro, o dia em que daríamos as mãos novamente. Acho que por isso que estou te dizendo tudo isso agora, porque as palavras se acumularam, sim, as palavras se acumularam feito livros velhos e empoeirados no fundo da biblioteca de algum lugar por onde acabou de passar um furacão ou um holoucasto, um lugar com muita dor, com muita perda e muita incerteza. Tipo eu, tipo nós.
A segunda coisa é: eu lembro de tudo o que conversamos naquela noite. Por mais patética que eu tenha sido, por mais bêbada, eu estava sendo sincera, ou tentando ser. Eu queria apenas um colo, um colo que só você poderia me dar, e você deu e meu coração conheceu aquele medo de amar mais uma vez. Mas tudo bem, entende, isso sempre foi pouco para mim, o medo, tudo bem, ele foi grande, mas hoje eu consigo compreender que ele foi necessário assim como o nosso primeiro encontro, a nossa primeira briga e o seu primeiro sorriso. O seu primeiro sorriso para mim virou apenas uma lembrança bonita e eu posso resumi-lo agora em três palavras: vontade de continuar.
E a terceira coisa que eu preciso te confessar é: não posso mais te esperar. Não posso, não quero, e se eu esperar vou me arrepender de não ter cortado esse sentimento que me consome de forma impura, cortante, triste, triste, triste, como se tudo tivesse se perdido para sempre. Não posso mais te esperar porque esperar é egoísmo e eu cansei de ser egoísta e adiar todos os dias da minha vida, adiar os meus momentos de felicidade, eu poderia ter sido feliz anos atrás, eu poderia pensar que agora as coisas não estão assim tão ruins, se eu não tivesse esperado e adiado, entende? É como perder o trem. Ou você o perde e se lamenta para o resto da vida, mas então fantasia e narra de forma bonita tudo que poderia ter sido e não foi, todos os dias que poderiam ter nascido e ficaram guardados em uma caixinha de vontade e de saudade. Mas se você consegue subir no trem acaba percebendo que nele não se tem o peso da certeza, que ele balança de dúvidas e que no final acabamos chegando onde queríamos, mas que poderia ter sido muito melhor, que as coisas eram melhores em retratos, em conversas, entende, não quero, não quero, não vou, talvez nunca chegue a acontecer, vamos aceitar.
Que aceitar é reconhecer e entender que certas coisas duram o tempo necessário pra não se tornar apenas parte da imaginação.

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