quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Meu presente de natal pra vocês (porque não faz mal a ninguém haha)

O céu estava cor de tarde vazia. Um bafo quente deslizava entre as pessoas que andavam pelas ruas frias da pequena cidade. Os rostos delas pareciam confundir-se em uma só palavra: desespero. Havia angústia em cada piscar de olhos, havia medo de perder o que não se tinha, havia falta de sentimento, de atenção. Nada havia, naquele dia sem gosto de, bem, dia.
Os passos sujos, largos e individuais quase calaram a voz da menina. Mas ela não desistiu. Ajeitou-se em seu vestidinho sujo, que um dia fora cor de pérola e apertou mais forte a mão do único homem que ela amara até então.
Seu papai.

-Papai, o que é a dor? - murmurou, lançando um olhar apreensivo ao homem magro, que nunca deixara o chapéu verde-oliva em casa.

-Filha, pelo amor que tem em mim! Sem perguntas. Não vê que estamos no centro da cidade? E que essa multidão está nos levando ao caos?

Ela calou-se. Nunca fora desobediente em toda a sua vida.
Mentira. Houve aquela vez.
Quando subiu em uma árvore enorme, que ficava em frente a casa de sua avó. Ah, a vovó! Fazia os melhores bolinhos de açúcar do mundo. E cantava como um anjo, era o que diziam.
Mas isso pareceu não importar muito quando a pequena garota caiu da árvore e quebrou a perna esquerda. Além disso, ganhou duas cicatrizes (uma na mão e outra na canela). Ficara tão feliz naquela tarde quente de verão! Para quem não sabe, quanto o maior número de cicatrizes, maior seu grau de coragem. Ter cicatrizes significava sobrevivência.
Realmente, era para poucos.
Mas, fora aquele dia, nunca mais ousou testar o limite dos pais. Não por e sim por saber que eles não mereciam tanto aborrecimento.
Infelizmente, eram dias difíceis aqueles. Se não bastasse o racionamento de alimentos por causa da guerra, ainda havia o constante medo de não conhecer o final daquela triste história.
Triste, mas era um final. E todos nós precisamos saber o final.
O final é essencial para a nossa consciência. Nosso livre pensar.
O pai apertou a mão da pequena com mais força e a puxou para o outro lado da rua.

-Querida! Olhe por onde anda. Quase foi atropelada. Por Deus! Está sempre com a cabeça nas nuvens.

-Talvez seja melhor, papai.
O pai teve que sorrir; era um comentário tão doce, tão inteligente para uma menina que vivia em meio a tanta violência e sofrimento.

Ele cumprimentou o dono da padaria com um aceno discreto. Nunca fora a pessoa mais simpática do mundo, mas todos sabiam que ele era capaz de notar os mais nobres sentimentos.

E ele não apenas notava. Ele os sentia.

-Papai - ela começou a dizer; as perguntas simplesmente mordiam sua língua, tinham como afã a liberdade de uma dúvida esclarecida - Por que essas pessoas estão jogadas na rua? Olhe só! Aquele menino tem a minha idade, papai.

O pai respirou fundo e continuou a andar. Passos doloridos que recitavam uma resposta silenciosa:
Não vou responder a nenhuma pergunta que minha filha me fizer sobre esse assunto.
Você me perguntará o motivo.

Dar-te-ei dois:

1- Não sei por onde começar;


2- Vai doer. Em nós dois.

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